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17 de Julho de 2018
Inteligência Artificial e Mercado Financeiro: Impactos e Desafios
"Só podemos ver uma pequena distância à frente, mas podemos ver muito o que precisa ser feito" Alan Turing
 
Marcelo Deschamps d'Alvarenga

O termo "Inteligência Artificial" nos é familiar por conta do sucesso dos filmes como: O Exterminador do Futuro, Matrix e Ex Machina ou o computador HAL 9000 de Arthur C. Clarke, imortalizado nas telas por Stanley Kubrick.

Pode parecer uma realidade distante, mas o uso da Inteligência Artificial – IA já faz parte do nosso dia a dia. Há inúmeras aplicações em vários setores da sociedade, nas áreas jurídica, da saúde, nas indústrias, na agricultura e nas finanças.

O reconhecimento de voz em seu smartphone, a recomendação de filmes do Netflix ou de livros da Amazon, controle dos sinais de trânsito e o reconhecimento de SPAM em seu e-mail são algumas das aplicações de IA no nosso cotidiano que nem percebemos.

Definição de Inteligência Artificial

IA é a aplicação de ferramentas computacionais para realizar tarefas que tradicionalmente exigem sofisticação e inteligência humana. (Financial Stability Board – FSB)

É uma área de pesquisa da computação dedicada a buscar métodos ou dispositivos computacionais que multipliquem a capacidade racional do ser humano de resolver problemas, pensar ou, de forma ampla, ser inteligente. Também pode ser definida como o ramo da ciência da computação que se ocupa do comportamento inteligente. (Wikipedia).

A Inteligência Artificial tem sido discutida nos círculos acadêmicos há muitas décadas. O termo apareceu pela primeira vez em um workshop no Dartmouth College, EUA em 1956. No entanto, após o entusiasmo inicial na academia e na cultura popular, como acontece com tecnologias emergente, a IA entrou em um período de hibernação.

Inteligência Artificial: Fatores de Sucesso

Nos últimos anos as aplicações de IA passarm a ganhar destaque e relevância. Isto se deve, principalmente, aos seguintes fatores:

a. investimentos vultosos em digitalização de processos por parte das empresas, sobretudo, empresas de tecnologia e financeiras;

b. aumento exponencial da velocidade e da capacidade de cálculo das novas gerações de processadores com simultânea redução expressiva dos custos de processamento; e

c. maior poder e capacidade para armazenar uma quantidade cada vez maior de dados e com baixo custo de armazenamento.

Ao adicionar aos três fatores mencionados acima, a maior interconectividade existente entre governo (e-governo), empresas, pessoas (redes sociais) e objetos (Internet das Coisas) a um custo cada vez menor, surge o ambiente adequado para a transição da IA do mundo acadêmico e experimental para as aplicações em larga escala na indústria.

Inteligência Artificial, Machine Learning e Deep Learning

Existe atualmente uma confusão de conceitos e uso dos termos “machine learning” ou ”deep learning” como sinônimos de Inteligência Artificial.

Machine Learning pode ser definido como um método, pelo qual, um algoritmo resolve um determinado problema, com base na experiência adquirida e com pouca ou nenhuma intervenção humana. Cada sistema de machine learning consiste em um conjunto de componentes: (1) um problema, (2) uma base de dados, (3) um modelo, (4) um algoritmo de otimização e (5) validação e teste Machine Learning é uma forma de “treinar” um algoritmo para que ele possa aprender por si só. O “treinamento” consiste em prover enormes quantidades de dados ao algoritmo e permitir que ele se ajuste e se aprimore.

Machine Learning combina elementos de estatística computacional, otimização matemática, reconhecimento de padrões e previsão analítica. Em sua essência, machine learning é uma ferramenta para produzir Inteligência Artificial.

Deep Learning é uma das muitas abordagens para o Machine Learning. Outras abordagens incluem aprendizagem de árvore de decisão, programação lógica indutiva, clustering, aprendizado por reforço e redes bayesianas, entre outros.

Deep Learning foi inspirado na estrutura e função do cérebro, ou seja, a interconexão de muitos neurônios e tem como base algoritmos que imitam a estrutura biológica do cérebro.

Inteligência Artificial e Bancos

Como vimos, a IA tem sido adotada em várias industrias e ramos de atividades, A indústria bancária e de serviços financeiros é um dos principais usuários de IA, com previsão de investimentos da ordem de US$ 8 bilhões para o ano de 2019 ("Bank of The Future" Citi 2018).

A maioria dos investimentos bancários é direcionado para as áreas de gerenciamento de riscos, prevenção e detecção de fraudes, compliance, crédito, corpore finance, seguros, gestão de ativos e portfólios, trading e assessoria financeira.

O rápido e crescente uso da IA pelo mercado financeiro pode ser explicado pelos seguintes fatores:

a. As instituições financeiras estão entre os maiores investidores em TI em geral, e isso também é verdade para a utilização de aplicativos de gestão de processos, banco de dados, análises quantitativas e segurança da informação.

b. O setor financeiro, além de pioneiro no processo de transformação digital de seus processos, é tradicionalmente um grande usuário de base de dados estruturadas e modelagem estatística para prevenção de fraude, gerenciamento de risco e subscrição de crédito.

Como resultado, seria natural que as instituições financeiras investissem mais em novas tecnologias que ajudem a entender melhor os dados.

Aplicações e Tendências

A aplicação da Inteligência Artificial é considerada atualmente pelas instituições financeiras como uma vantagem competitiva. IA possibilitou que a abundância de dados criados a partir de funções tradicionais, como crédito, pagamentos e custodia se transformassem em inteligência aplicável para melhorar receitas, reduzir perdas e custos e gerar eficiência operacional.

Dentre as principais áreas de aplicação de IA nas instituições financeiras, destacam-se:

a. Melhorar a experiência do cliente - As aplicações de IA estão ajudando as instituições financeiras a aumentar o envolvimento do cliente, permitindo a oferta de produtos financeiros personalizadas.

A personalização no setor bancário compreende uma gama de abordagens que podem melhorar significativamente o envolvimento, a satisfação e a retenção do cliente. De alertas em tempo real para as transações dos clientes, análises detalhadas sobre fluxos de transações corporativas, contas a pagar e contas a receber, que por sua vez ajudam os bancos a prestar assessoria sobre o cronograma de pagamento de contas para evitar atrasos, oferecer descontos para pagamentos antecipados e fornecer orientação financeira.

b. Chatbots - Agentes digitais para atendimento ao cliente e suporte a consultas mais rotineiras. Aproximadamente 80% das consultas recebidas pelas instituições financeiras podem ser automatizadas (Ex. biometria de identificação de voz para autenticação de operações bancárias). Os agentes virtuais podem ser dimensionados para lidar com aproximadamente 2 milhões de consultas diárias ("Bank of The Future" Citi 2018).

c. Robô-advisor – Plataformas digitais que fornecem serviços de planejamento financeiro automatizados, baseados em algoritmos de IA e modelos preditivos. Com base nas informações dos clientes sobre sua situação financeira e metas futuras e dos ativos disponíveis para o seu perfil, são oferecidas carteiras de investimentos adequadas aos seus objetivos. Estudos comprovam que há uma redução de até 80% do custo em relação aos modelos tradicionais, possibilitando que mais clientes tenham acesso a serviços e ativos que poucos tinham acesso no passado.

d. Detecção de fraudes - Os bancos estão usando inteligência artificial para analisar o comportamento de clientes e funcionários extraindo padrões a partir de grandes quantidades de dados não organizados. A aplicação de IA nos cartões de pagamentos também ajuda a reduzir falsas transações e aumenta a precisão das aprovações em tempo real para transações genuínas.

Pesquisas indicam que a aplicação de IA pode reduzir em até 30% o tempo de detecção de uma fraude e até 80% o número de falsos positivos nas investigações de fraudes. ("Bank of The Future" Citi 2018)

e. Regulação e compliance - As tecnologias de IA podem ajudar as instituições financeiras a monitorar e analisar grandes quantidades de dados rapidamente, fazer correlações-chave entre diferentes partes de dados para tirar conclusões pré-programadas (como levantar uma bandeira vermelha para um determinado tipo de transação) e começar a tirar novas conclusões com base nos dados armazenados (Ex. monitoramento de transações para efeito de prevenção a lavagem de dinheiro e manipulação de mercado).

f. Decisões mais rápidas - A IA pode ajudar as empresas a aumentar a produtividade humana, reduzindo a quantidade de tempo gasto em tarefas manuais e repetitivas. Por exemplo, metodologias de avaliação de crédito orientadas por IA com a utilização de informações não estruturadas de mídias sociais, comportamento na internet e padrões de consumo.

Conclusões

Conclui-se, portanto, que há um amplo caminho, que apenas se inicia, para a aplicação de Inteligência Artificial no mercado financeiro e muitos desafios a serem enfrentados pelas instituições financeiras.

A disponibilidade de dados é frequentemente o menor dos desafios para a maioria das instituições financeiras, pois há abundância de dados criados a partir de funções tradicionais de crédito, pagamento e custódia. No entanto, o maior problema é a acessibilidade dos dados, pois muitos deles estão espalhados em diferentes departamentos (possivelmente devido a requisitos regulamentares e sistemas legados), criando verdadeiros silos de informações. Isso limita a qualidade de possíveis soluções que possam ser geradas

O grande desafio com o qual as instituições financeiras se deparam para implementar IA se refere à velocidade de desenvolvimento de produtos que podem levar meses ou anos, muitos deles associados a processos manuais (não digitais). A introdução de soluções de IA no processo de desenvolvimento de produto procura transformar a tradicional metodologia sequencial para um processo dinâmico, simultâneo e paralelo. Equipes de especialistas planejam atividades de produtos e processos simultaneamente visando a redução significativa no tempo de ciclo de desenvolvimento do produto.

De um modo geral, as instituições financeiras devem mudar sua abordagem sobre a grande quantidade de dados e informações de que dispõe. Dados devem deixar de ser tratados como um passivo para fins de compliance e regulação pelas instituições financeiras e sim como um ativo valioso que deve ser explorados com vantagem competitiva.


* Marcelo Deschamps (mdeschamps@md8consulting.com) é sócio-diretor da MD8 Finance and Regulation

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